sexta-feira, 18 de abril de 2008

Chico Nuno - um professor que lutou pela liberdade

HOMENAGEM AO Francisco Nuno (Xico Nuno)
Setúbal, Escola Secundária de Sebastião da Gama, 17 de Abril de 2008

Estamos hoje aqui guiados por um slogan que diz “Pelo Sonho Abrimos Caminhos de Futuro”, no âmbito das comemorações do centésimo vigésimo aniversário da escola secundária de Sebastião da Gama. E, na mira daquela mensagem, evocamos neste momento um professor que esteve entre nós e que também o podia ter dito - “Pelo Sonho Abrimos Caminhos de Futuro”. Estou a referir-me ao nosso saudoso colega Francisco Nuno mais conhecido pelo Xico Nuno.

Nas breves palavras que se seguem, vou, ainda que de forma simples, tentar, em breves traços, dar-vos uma caricatura deste colega que hoje homenageamos ligando-o, de forma definitiva, a esta Escola e a este ginásio onde o seu corpo pousou, pela última vez, em sofrido velório naquele mês de Novembro de 1989. (Morreu em Londres a 10/11/1989).
Vou organizar as minhas palavras em dois períodos bem distintos da sua vida: o antes e o depois do 25 de Abril de 1974. Foi um “homem de Abril” ainda antes de o Abril o ser e, por isso, não tardaram em amordaçar-lhe a voz. Depois de Abril, livre da mordaça, vimo-lo, de novo, renascer.

Antes do 25 de Abril – a mordaça

O Chico Nuno era um provinciano, como ele próprio gostava de se chamar, evocando, em conversa de sala de professores, o exemplo de Cesário Verde e o seu refúgio familiar de Linda-a-Pastora. Também ele se refugiava do bulício da vida no lugar da Mata em Torres Novas, onde nasceu a 14 de Março de 1934 e para onde debandava sempre que podia.
Estudou nos Seminários de Santarém e Olivais onde concluiu o Curso Teológico, tendo-se ordenado sacerdote.
Enquanto sacerdote, leccionou no Seminário e no Liceu de Santarém. Foi professor de personalidades como Mário Viegas, Hermínio Martinho e Rui Godinho e, no Liceu, logo no primeiro ano de leccionação, é reconhecida, pela voz insuspeita dos estudantes, a sua capacidade de mobilizar a juventude: durante a récita dos finalistas é apelidado de "homem que arrasta as multidões".
Depressa a sua observação dos mais desprotegidos da população escolar o leva a intervir socialmente, através do Secretariado Cristão dos Organismos Juvenis (SCOJ). Funda um lar para estudantes deslocados, com carências económicas, que funciona à semelhança das "repúblicas coimbrãs".
Também a mentalidade dos jovens o preocupava. O Jornal do Secretariado "SCOJ" constituía um verdadeiro fórum de ideias que se orientava numa perspectiva crítica aos poderes do antes 25 de Abril. Era divulgado pelos estudantes e por todos os conhecidos que passavam por Santarém.
Depressa os poderes se sentiram incomodados e a melhor maneira de calarem aquela voz foi a sua expulsão de Santarém. Estávamos nos anos já "quentes" de 69/70.
Passa então por Lisboa (Stella Maris), pela paróquia da Ajuda e, finalmente, vai para o Externato Frei Luís de Sousa de Almada. Enfim os responsáveis pelo patriarcado, de que dependia, vão-lhe mudando o “poiso” não permitindo que a sua voz incómoda ecoasse durante muito tempo no mesmo sítio. Ali pede a redução ao estado laical que lhe é concedida pelo Papa. Casa-se, depois de obtida aquela autorização papal, com a Dr.ª Natália Rodrigues que hoje e aqui nos honra com a sua presença, e regressa à aldeia. Estamos em Dezembro de 1975.

Depois do 25 de Abril – o renascimento

Com os novos ventos que sopravam da revolução dos cravos, o Francisco Nuno desenvolve actividade política no MDP/CDE. É director do Jornal A FORJA e Presidente do SFUM (Sociedade Filarmónica União Matense), sociedade que revitaliza com o seu dinamismo.
O editorial do primeiro número do Jornal “A Forja”, que vem a lume a 29 de Abril de 1976, (dois anos após a revolução) constitui uma fonte importante para conhecer a personalidade singular deste nosso colega na defesa de ideais progressistas e solidários. Caracterizando esse Abril de 2006, ele reconhece que “as maravilhosas descobertas do nosso povo, a partir do 25 de Abril, não têm tido o devido relevo” nas terras interiores do Ribatejo. E, com a publicação desse jornal, pretende constituir uma voz alternativa à imprensa regional caduca e ainda ligada a interesses anteriores à revolução. Pretendia ser o “eco dos anseios e realizações dos povos” daquela região que, segundo ele, não eram ouvidos pelos jornais então ali publicados. Segundo o seu estatuto editorial A Forja “terá de ser um acérrimo defensor dos trabalhadores e explorados do distrito. Será um jornal progressista. Não pactuará com as injustiças com os explorados. Não acolherá a mentira, nem o ódio simples e fácil”.
Quem privou, como eu, com o Chico sabe bem que aquele entusiasmo de editorialista era mesmo ele. Contudo, quando chega a Setúbal e aqui é colocado como professor na Escola que hoje o homenageia o seu ideal político vinha muito esmorecido. Tanto melhor para a escola, digo eu hoje, pois a sua natural liderança vai ser, nessa data, orientada para a Escola onde acabou por terminar a sua existência. Aqui, a sua capacidade de aglutinar professores e alunos depressa se evidencia. Em 1985 faz parte da Comissão Executiva da Semana de Cultura e Língua Portuguesa que "mexeu" com todas as escolas da cidade, em todos os graus de ensino. Logo após lançou-se numa das suas grandes paixões - o teatro. Tanto no Liceu de Santarém como aqui o “ir ao teatro” com os alunos não era para ele apenas “um passatempo cultural”, era (e ele sabia-o bem…) um instrumento com o qual procurava criar “pessoas livres”. Antes do vinte e cinco de Abril, ele sabia que a luta contra a tirania, opressão, traição, injustiça e todas as formas de perseguição passava muitas vezes pelos gestos, pelos cenários, pelas palavras dos dramaturgos, encenadores e actores que levavam o público a entender, de forma mais ou menos velada, a mensagem da liberdade numa terra nevoenta em que se vivia ainda. Após o vinte e cinco de Abril, ele tinha a consciência de que os nossos alunos só educariam a sua liberdade se reflectissem sobre exemplos de liberdade que eram representados nos palcos, agora livres, do nosso país agora renascido.
Precisamente no ano lectivo em que a morte o colheu 1988/1989 dinamizou o Festival Escolar de Teatro que envolveu várias escolas da cidade e as celebrações do Centenário do Ensino Industrial em Setúbal, de cuja Comissão Executiva fez parte.
Apesar de, tal como muitos de nós, ter sido professor e exercido vários cargos de gestão na escola (foi membro do Conselho Pedagógico e presidente do Conselho Directivo, entre outros), o que hoje homenageamos no Chico Nuno é a sua singularidade de homem e professor que ultrapassa em muito a nossa Escola, mas que a nossa Escola quer, a seu modo, reconhecer e perpetuar, ligando dando o seu nome a este ginásio e ao seu palco.
Assim, parafraseando a placa de reconhecimento com que Liceu / Escola Secundária Sá da Bandeira, em Santarém o lembra todos os dias, também nós hoje queremos homenagear o Francisco Nuno (Xico Nuno), o Homem e o Professor que, nesta Escola e na década de oitenta do século passado, nos ensinou a ser mais responsáveis e livres.

Obrigado, Xico!

Prof. Mata Fernandes