domingo, 3 de agosto de 2008

Férias em "A cidade dos estrangeiros no Sul"


Trouxe comigo o Hermann Hesse e comprovei que aquilo que ele escreveu em 1925 se aplica ao meu sítio de férias em 2008. "Esta cidade é uma das mais engraçadas e lucrativas empresas do espírito moderno"1).

O sítio onde moro por uns dias tem por nome "Lugar da Coca Maravilhas", onde tudo procura ser "autêntico", pois até, para os naturais, nem falta uma escola de seu nome "Escola Coca Maravilhas", ao lado da Santa Casa da Misericórdia, maravilhosa também!... Neste sítio tudo é harmonioso, autêntico! As igrejas protestantes (vários ramos) e católicas ofereciam hoje os seus ofícios dominicais e até, à noite, de um terceiro andar saíam ruidosas invocações espíritas, através de portadas escancaradas, devido ao calor. Fiquei a meditar no milagre da multiplicação dos pães, interrogando-me sobre a multiplicação das igrejas e cultos! Não consegui, ainda, resposta que me satisfizesse... a não ser ser que a resposta seja o "facto de não haver respostas" para estes homens, para este mundo!

Esta cidade foi desenhada à beira-rio onde bóiam adormecidos na noite barcos de todas as espécies: desde os rabelos do Douro, às gôndolas venezianas, passando pelos modernos veleiros agora repousando na marina, até mesmo uma "nau" a motor construída à imitação daquelas recordações artesanais que era moda fazer, há uns anos atrás, com fósforos e que os estrangeiros compravam como recordação do país dos descobrimentos...

De manhã e à tarde, a cidade vaza-se nos areais imensos, onde o Sol é o deus venerado depois das libações salgadas a que todos, de vez em quando, se submetem num ritual que, às vezes, por artes diabólicas, é interrompido pelo grito, pela buzina, pela campainha com que os naturais (melhor dito, os que não são estrangeiros) invocam o Euro pela "bola de berlim", pelo vestido "lindo... lindo", pelos óculos escuros e demais quinquelharias que profanam o ritual de "tostação" ("fritação" em casos mais extremos) a que todos se sujeitam.

No passeio ribeirinho, à noite, a irmandade universal aspira o ar tépido que se levanta do rio, onde se misturam as mais variadas vozes e odores: povos do norte ladeiam com os povos do sul, povos dos países do sol nascente cruzam-se com os do sol poente, de várias raças, cores e odores. Os múltiplos "falajares" fariam deste passeio ribeirinho uma nova Babilónia, não fosse o dialecto dos cheiros que todos entendem... Os mac's, as pizzas convivem com os restaurantes de peixe assado onde é rainha a sardinha. A linguagem comum que todos entendem é a do Euro. Melhor... toda a cidade vive para o Euro...

Mas hoje tive azar...

A sardinha não "pingava", o vinho estava quente e não havia pão de fatia...

... abandonei, resmungando, os meus euros e corri a refugiar-me no meu sítio, no Lugar da Coca Maravilhas...


1) Conto A cidade dos estrangeiros no Sul in "As mais belas histórias" de Hermann Hesse, Editorial Notícias, 2004