quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Escola - escravidão sob disfarce

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Possivelmente, na data em que resolvi publicar esta mensagem de arquivo (13 de Julho de 2010) , já a mensagem inscrita foi pintada. A Escola encontra-se em obras e já não era sem tempo! Aqui fica, contudo, a inscrição "in memoriam".

Quem escreveu nesta parede da Escola a mensagem da imagem ao lado o que pretendia?

Se fosse escrita há cinquenta anos atrás, o seu autor, se fosse descoberto, seria reprimido... Hoje assume-se como um pensador anarquista que livremente deixa uma mensagem à comunidade escolar e que esta mantém exposta há longos meses.

Ao silogismo aristotélico falta a conclusão, embora ela fique implícita. Assim, falta concluir que a Escola gera Escravos.

Na civilização cristã ocidental, a Humanidade, desde os seus primórdios, viu no "trabalho" uma forma de castigo. Após o pecado original dos nossos primeiros pais, Deus expulsa-os do Paraíso com a célebre excomunhão: "comerás o pão com o suor do teu rosto" (Gn 3.19). Portanto, a partir daí, apenas restava aos homens cumprir uma outra sentença do Criador "crescei e multiplicai-vos e dominai a terra" (Gen., 1, 28).

Ao longo dos tempos, vimos o Homem a fazer História em descobertas científicas e avanços tecnológicos, no sentido de "DOMINAR A TERRA"

Conseguirá, não conseguirá?!... Para já, ainda não!

O jovem que escreveu a mensagem tem, pois, razão pelo menos num dos seus pontos de análise: ele entende que a Escola é o caminho proposto a todos os jovens para uma vida a trabalhar para os OUTROS e não necessariamente para si...

Já o lavrador do Auto da Barca do Purgatório tentava explicar o mesmo ao Anjo que o questionava sobre a sua idoneidade para entrar na sua barca: "nós (os lavradores) somos as vidas das gentes e morte das nossas vidas".
Só que o Lavrador de Gil Vicente nunca tinha frequentado a Escola!
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quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Sala dos professores - último capítulo

Hesitei muito publicar a mensagem que os colegas me deixaram no jantar em que se propuseram homenagear-me.

As palavras que se seguem, escritas pelo João (que até nem esteve no jantar e portanto não a conhece), decidiram-me:

"Nunca penses que vales menos do que aquilo que vales. Deixa os outros procurarem a verdade na essência das coisas. Duns Escoto defendeu que a nossa individualidade é irrepetível. O abraço de sempre, apóstolo das coisas grandes!..."

JOÃO

Eis, pois, as palavra que os colegas de departamento me deixaram na hora da despedida:

"Chegou o momento de passares para uma outra fase da vida.

Não queremos, porém, que termines a tua carreira de professor sem te manifestarmos, como teus companheiros de grupo pedagógico e de departamento na Escola Secundária de Sebastião da Gama, a nossa admiração, o nosso reconhecimento e a nossa amizade.

Habituámo-nos, ao longo de cerca de três décadas, a ver na tua pessoa um professor de referência pela tua postura assente nos valores sólidos do humanismo cristão; pela dedicação à escola; pela disponibilidade para o trabalho conjunto; pela partilha de saberes e documentos; pelo cumprimento escrupuloso e apaixonado das tarefas e pela competência em todos os sectores da vida escolar; enfim, por um conjunto de virtudes que ultrapassam as exigências do mero profissionalismo.

Lembrar-te-emos, para sempre, como um homem inteiramente dedicado ao ensino, quer na actividade pedagógica com os alunos quer nos vários cargos que foste desempenhando, desde a Direcção de Turma à coordenação de ciclos e cursos e à assessoria do Conselho Directivo até à participação na Assembleia Constituinte e à presidência do Conselho Perdagógico que assumiste, nos últimos anos, com admirável competência, tendo em conta as profundas alterações que a escola tem vindo a suportar. Mas é, sobretudo, como Delegado de Grupo ou Coordenador do Departamento que mais recordaremos a tua grande competência e capacidade de coordenação, tanto na preparação minuciosa das reuniões, na riqueza do apoio documental, no profundo conhecimento dos temas, no domínio das novas tecnologias, na humildade e abertura das propostas e na moderação e sensatez das intervenções, como na liderança natural do grupo e na total disponibilidade para o apoio ao trabalho dos colegas, especialmente os mais novos.

Se fosses militar, trarias, hoje, o peito enfeitado de medalhas e estarias, agora, a ser agraciado com mais louvores e honrarias pelos relevantes serviços prestados... assim, num Ministério que é uma entidade sem memória nem coração e com as tropas dos teus alunos dispersos por esse mundo na azáfama do ganha-pão de cada dia, não levarás o peito cheio de medalhas, mas sim o coração cheiíssimo de velhos amigos.

Pedimos-te, pois, que aceites a nossa admiração, reconhecimento e amizade, com a certeza de que, com a tua presença, tornaste melhor o mundo para aqueles que te rodearam e contigo tiveram a dita de trabalhar.

3o de Setembro de 2008

Os professores do Departamento de Português e Francês"
(Seguem-se vinte e uma assinaturas)

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P.S.
Não era minha intenção publicar, como disse, estas palavras. Contudo as palavras do João
"Nunca penses que vales menos do que aquilo que vales. Deixa os outros procurarem a verdade na essência das coisas..." impeliram-me a publicá-las.

Apesar de continuar a pensar que há nelas um ênfase circunstancial, elas deixam-me muito satisfeito, sobretudo porque elas foram ditas por todos os meus colegas de departamento que eu vi juntos e determinados a continuar de forma coesa a sua missão de ensinar, apesar de tudo o que foi feito para os separar no último ano em que passámos juntos. Contudo, aqui fica o meu alerta para os anos que aí vêm em que uma avaliação condicionada à partida por quotas pode conduzir não a uma pedagogia partilhada mas a uma competição que pode levar ao individualismo egoísta e selvagem.

Sala dos professores - 3.º capítulo

Não pude ir ao jantar.
Guardo-te nestes versos

João
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QUARTETO

(ao Mata Fernandes)

Continuas linda
minha rosa de Outono
na luz da cor
na sinceridade da vida
obrigado...
fala-me de magia.

*
Foste bonita
eu sei
e numa lágrima de espanto
vivo a dor do teu fim
ao desapareceres
bela ainda...
fala-me de futuro.

*
Vi-te nascer
crescer
dar flor
e na cor do adeus...
fala-me de eternidade.

*
O cheiro a terra lavrada,
embebeda-me a alma
transtorna-me
troco tudo
troco o fado pelo destino
pela sina que eu leio
nas linhas baças do futuro
devotamente
no desmoronar dos dias
até ao meu regresso
em paz...

J.M. Gonçalves
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Obrigado, João!
Fico muito sensibilizado, pois nunca me passou pela cabeça que alguém pudesse "pensar-me" em versos. Só podias ser tu!

Obrigado, mais uma vez... não tenho mais palavras!

Joaquim
(Mata Fernandes)

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Sala dos professores - 2.º capítulo

Ontem, cumpri a minha última sala de professores como professor no activo.

Entrei, com os professores do primeiro turno da manhã, às 8.15, para a minha última aula com o 9.º. É uma turma "singular": 21 alunos no total, dos quais cinco estão sinalizados como sujeitos a P.E.I.; três outros alunos ficaram retidos no 9.º ano transacto. Despedi-me deles a falar sobre Gil Vicente e o seu teatro. "À barca, à barca, que temos gentil maré"... mas eu já a preparar a minha barca que, hoje, largou para outros rumos, outros portos, novas marés...

Depois fiz "sala de professores" até às 13.30 para me despedir de uma das minhas turmas do 10.º ano, uma turma do Curso Profissional Técnico, que me garantiu, na aula de apresentação, que lhe tinha sido dito que os alunos dos cursos profissionais não tinham de comprar / usar material de trabalho a Português. Lá lhes fui lembrando, que profissional sem instrumentos de trabalho que saiba utilizar nunca poderá aspirar a um trabalho condigno... Um "gozão" também me foi lembrando que o que ele mais desejava era "emprego" e não trabalho e, por solicitação minha, uma vez que se recusava a passar o sumário, fez a seguinte declaração que me entregou, com solenidade, no fim da aula: "Eu, segue-se o nome que omito, não passo nem o número das lições, nem a data, nem os sumários, visto que estes componentes não são nem estão no módulo e não são matéria e vão corromper o meu estudo" (sic). Foi uma aula má, conflituosa, penosa para o professor e alguns alunos. Sebastião da Gama, patrono da escola, me valha e me perdoe, mas deixei a turma aliviado.

Fiz novamente "sala dos professores" até às 17 horas, para dar a minha última aula (também a uma turma do curso profissional técnico) com que terminei a minha actividade como professor no activo. Lemos textos de cariz autobiográfico e anotámos as suas características. Ao terminar a aula, informei-os de que aquela era a minha última aula como professor, momento que eles sabiam que, mais tarde ou mais cedo, iria acontecer. Por momentos o silêncio caiu sobre a sala para, depois, um dos alunos me saudar com uma salva de palmas no que foi seguido pelos restantes. Agradeci-lhes emocionado.

Pelas 19.00 horas passei pelo Conselho Executivo para me despedir, oficialmente, da Escola.

Uma surpresa, contudo, ainda me estava reservada para este dia: os meus colegas do grupo disciplinar de Português e Francês ofereceram-me, (a mim e à colega Ofélia, anteriormente reformada), num dos restaurantes da cidade, um "jantar de homenagem", mas não de despedida sublinharam. Disseram palavras muito bonitas que me sensibilizaram imenso. Contudo, o que mais me tocou foi ver todos os colegas presentes, apesar de todos os esforços (intimidativos mesmo...) que, no ano transacto, foram feitos para nos separar.

Voltarei à sala de professores da Escola onde leccionei durante três décadas?

Não sei. Contudo, ficarei por aqui (atento a todos) com a disponibilidade que o meu "novo estado" me for permitindo.