quarta-feira, 5 de novembro de 2008
Escola - escravidão sob disfarce
Possivelmente, na data em que resolvi publicar esta mensagem de arquivo (13 de Julho de 2010) , já a mensagem inscrita foi pintada. A Escola encontra-se em obras e já não era sem tempo! Aqui fica, contudo, a inscrição "in memoriam".
Quem escreveu nesta parede da Escola a mensagem da imagem ao lado o que pretendia?
Se fosse escrita há cinquenta anos atrás, o seu autor, se fosse descoberto, seria reprimido... Hoje assume-se como um pensador anarquista que livremente deixa uma mensagem à comunidade escolar e que esta mantém exposta há longos meses.
Ao silogismo aristotélico falta a conclusão, embora ela fique implícita. Assim, falta concluir que a Escola gera Escravos.
Na civilização cristã ocidental, a Humanidade, desde os seus primórdios, viu no "trabalho" uma forma de castigo. Após o pecado original dos nossos primeiros pais, Deus expulsa-os do Paraíso com a célebre excomunhão: "comerás o pão com o suor do teu rosto" (Gn 3.19). Portanto, a partir daí, apenas restava aos homens cumprir uma outra sentença do Criador "crescei e multiplicai-vos e dominai a terra" (Gen., 1, 28).
Ao longo dos tempos, vimos o Homem a fazer História em descobertas científicas e avanços tecnológicos, no sentido de "DOMINAR A TERRA"
Conseguirá, não conseguirá?!... Para já, ainda não!
O jovem que escreveu a mensagem tem, pois, razão pelo menos num dos seus pontos de análise: ele entende que a Escola é o caminho proposto a todos os jovens para uma vida a trabalhar para os OUTROS e não necessariamente para si...
Já o lavrador do Auto da Barca do Purgatório tentava explicar o mesmo ao Anjo que o questionava sobre a sua idoneidade para entrar na sua barca: "nós (os lavradores) somos as vidas das gentes e morte das nossas vidas".
Só que o Lavrador de Gil Vicente nunca tinha frequentado a Escola!
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quinta-feira, 2 de outubro de 2008
Sala dos professores - último capítulo
As palavras que se seguem, escritas pelo João (que até nem esteve no jantar e portanto não a conhece), decidiram-me:
"Nunca penses que vales menos do que aquilo que vales. Deixa os outros procurarem a verdade na essência das coisas. Duns Escoto defendeu que a nossa individualidade é irrepetível. O abraço de sempre, apóstolo das coisas grandes!..."
JOÃO
Eis, pois, as palavra que os colegas de departamento me deixaram na hora da despedida:
"Chegou o momento de passares para uma outra fase da vida.
Não queremos, porém, que termines a tua carreira de professor sem te manifestarmos, como teus companheiros de grupo pedagógico e de departamento na Escola Secundária de Sebastião da Gama, a nossa admiração, o nosso reconhecimento e a nossa amizade.
Habituámo-nos, ao longo de cerca de três décadas, a ver na tua pessoa um professor de referência pela tua postura assente nos valores sólidos do humanismo cristão; pela dedicação à escola; pela disponibilidade para o trabalho conjunto; pela partilha de saberes e documentos; pelo cumprimento escrupuloso e apaixonado das tarefas e pela competência em todos os sectores da vida escolar; enfim, por um conjunto de virtudes que ultrapassam as exigências do mero profissionalismo.
Lembrar-te-emos, para sempre, como um homem inteiramente dedicado ao ensino, quer na actividade pedagógica com os alunos quer nos vários cargos que foste desempenhando, desde a Direcção de Turma à coordenação de ciclos e cursos e à assessoria do Conselho Directivo até à participação na Assembleia Constituinte e à presidência do Conselho Perdagógico que assumiste, nos últimos anos, com admirável competência, tendo em conta as profundas alterações que a escola tem vindo a suportar. Mas é, sobretudo, como Delegado de Grupo ou Coordenador do Departamento que mais recordaremos a tua grande competência e capacidade de coordenação, tanto na preparação minuciosa das reuniões, na riqueza do apoio documental, no profundo conhecimento dos temas, no domínio das novas tecnologias, na humildade e abertura das propostas e na moderação e sensatez das intervenções, como na liderança natural do grupo e na total disponibilidade para o apoio ao trabalho dos colegas, especialmente os mais novos.
Se fosses militar, trarias, hoje, o peito enfeitado de medalhas e estarias, agora, a ser agraciado com mais louvores e honrarias pelos relevantes serviços prestados... assim, num Ministério que é uma entidade sem memória nem coração e com as tropas dos teus alunos dispersos por esse mundo na azáfama do ganha-pão de cada dia, não levarás o peito cheio de medalhas, mas sim o coração cheiíssimo de velhos amigos.
Pedimos-te, pois, que aceites a nossa admiração, reconhecimento e amizade, com a certeza de que, com a tua presença, tornaste melhor o mundo para aqueles que te rodearam e contigo tiveram a dita de trabalhar.
3o de Setembro de 2008
Os professores do Departamento de Português e Francês"
(Seguem-se vinte e uma assinaturas)
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P.S.
Não era minha intenção publicar, como disse, estas palavras. Contudo as palavras do João "Nunca penses que vales menos do que aquilo que vales. Deixa os outros procurarem a verdade na essência das coisas..." impeliram-me a publicá-las.
Apesar de continuar a pensar que há nelas um ênfase circunstancial, elas deixam-me muito satisfeito, sobretudo porque elas foram ditas por todos os meus colegas de departamento que eu vi juntos e determinados a continuar de forma coesa a sua missão de ensinar, apesar de tudo o que foi feito para os separar no último ano em que passámos juntos. Contudo, aqui fica o meu alerta para os anos que aí vêm em que uma avaliação condicionada à partida por quotas pode conduzir não a uma pedagogia partilhada mas a uma competição que pode levar ao individualismo egoísta e selvagem.
Sala dos professores - 3.º capítulo
Guardo-te nestes versos
João
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QUARTETO
(ao Mata Fernandes)
Continuas linda
minha rosa de Outono
na luz da cor
na sinceridade da vida
obrigado...
fala-me de magia.
*
Foste bonita
eu sei
e numa lágrima de espanto
vivo a dor do teu fim
ao desapareceres
bela ainda...
fala-me de futuro.
*
Vi-te nascer
crescer
dar flor
e na cor do adeus...
fala-me de eternidade.
*
O cheiro a terra lavrada,
embebeda-me a alma
transtorna-me
troco tudo
troco o fado pelo destino
pela sina que eu leio
nas linhas baças do futuro
devotamente
no desmoronar dos dias
até ao meu regresso
em paz...
J.M. Gonçalves
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Obrigado, João!
Fico muito sensibilizado, pois nunca me passou pela cabeça que alguém pudesse "pensar-me" em versos. Só podias ser tu!
Obrigado, mais uma vez... não tenho mais palavras!
Joaquim
(Mata Fernandes)
quarta-feira, 1 de outubro de 2008
Sala dos professores - 2.º capítulo
Entrei, com os professores do primeiro turno da manhã, às 8.15, para a minha última aula com o 9.º. É uma turma "singular": 21 alunos no total, dos quais cinco estão sinalizados como sujeitos a P.E.I.; três outros alunos ficaram retidos no 9.º ano transacto. Despedi-me deles a falar sobre Gil Vicente e o seu teatro. "À barca, à barca, que temos gentil maré"... mas eu já a preparar a minha barca que, hoje, largou para outros rumos, outros portos, novas marés...
Depois fiz "sala de professores" até às 13.30 para me despedir de uma das minhas turmas do 10.º ano, uma turma do Curso Profissional Técnico, que me garantiu, na aula de apresentação, que lhe tinha sido dito que os alunos dos cursos profissionais não tinham de comprar / usar material de trabalho a Português. Lá lhes fui lembrando, que profissional sem instrumentos de trabalho que saiba utilizar nunca poderá aspirar a um trabalho condigno... Um "gozão" também me foi lembrando que o que ele mais desejava era "emprego" e não trabalho e, por solicitação minha, uma vez que se recusava a passar o sumário, fez a seguinte declaração que me entregou, com solenidade, no fim da aula: "Eu, segue-se o nome que omito, não passo nem o número das lições, nem a data, nem os sumários, visto que estes componentes não são nem estão no módulo e não são matéria e vão corromper o meu estudo" (sic). Foi uma aula má, conflituosa, penosa para o professor e alguns alunos. Sebastião da Gama, patrono da escola, me valha e me perdoe, mas deixei a turma aliviado.
Fiz novamente "sala dos professores" até às 17 horas, para dar a minha última aula (também a uma turma do curso profissional técnico) com que terminei a minha actividade como professor no activo. Lemos textos de cariz autobiográfico e anotámos as suas características. Ao terminar a aula, informei-os de que aquela era a minha última aula como professor, momento que eles sabiam que, mais tarde ou mais cedo, iria acontecer. Por momentos o silêncio caiu sobre a sala para, depois, um dos alunos me saudar com uma salva de palmas no que foi seguido pelos restantes. Agradeci-lhes emocionado.
Pelas 19.00 horas passei pelo Conselho Executivo para me despedir, oficialmente, da Escola.
Uma surpresa, contudo, ainda me estava reservada para este dia: os meus colegas do grupo disciplinar de Português e Francês ofereceram-me, (a mim e à colega Ofélia, anteriormente reformada), num dos restaurantes da cidade, um "jantar de homenagem", mas não de despedida sublinharam. Disseram palavras muito bonitas que me sensibilizaram imenso. Contudo, o que mais me tocou foi ver todos os colegas presentes, apesar de todos os esforços (intimidativos mesmo...) que, no ano transacto, foram feitos para nos separar.
Voltarei à sala de professores da Escola onde leccionei durante três décadas?
Não sei. Contudo, ficarei por aqui (atento a todos) com a disponibilidade que o meu "novo estado" me for permitindo.
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
Sala dos Professores - 1º capítulo
Oficialmente soube ( e neste assunto fui o primeiro a saber...) que por despacho de 2008-09-22 da direcção da CGA me "foi reconhecido o direito à aposentação".
Sei que foram sinceros!... afinal este é um dos acontecimentos que na vida do comum dos mortais só sucede uma vez (não falo daqueles que forjam para si reformas após meia dúzia de anos a fazer não se sabe bem o quê...). Sei que foram sinceros e estou-lhes grato por isso. Estou-lhes também grato, pois a pensão que acabo de receber, em rigor, também eles me ajudaram a conquistar. Que é um professor durante a sua carreira sem os seus colegas de turma, de ano, de departamento, de escola? Nesta, mais que em qualquer outra profissão, a expressão "homem algum é uma ilha" faz sentido.
Obrigado, muito obrigado, pois, a todos aqueles professores e funcionários da escola que me ajudaram a cumprir esta minha longa etapa da vida.
Àqueles para quem a minha aposentação representa um alívio, peço desculpa de todos os momentos em que o meu mau carácter sobrou para eles.
Continuarei por aqui e sei que estarei acompanhado por muitos dos meus colegas, em especial daqueles que no dia-a-dia, no departamento ou no pedagógico, me ajudaram a crescer como homem e professor durante tantos anos.
Para estes aqui fica o meu especial agradecimento.
Joaquim
terça-feira, 9 de setembro de 2008
4.º centenário do nascimento do P. António Vieira (1608-1697)
Quero, por isso, partilhar convosco este lindíssimo excerto do Sermão do Nascimento da Mãe de Deus do Padre António Vieira, homenageando, assim também, o 4.º centenário do seu nascimento.
Realço ainda quanto aquelas várias invocações de Maria estão bem presentes ainda hoje na cultura portuguesa, nomeadamente nos antropónimos femininos. Para muitos iconoclastas da nossa moderna sociedade já sei que a maior parte das mulheres deviam ser obrigadas a mudar de nome, em prol da laicidade fundamentalista que defendem. A contrariá-los ainda vão nascendo muitas Marias... até que algum se lembre de criar mais uma lei que o impeça!
Sermão do Nascimento da Mãe de Deus
Padre António Vieira
"Quereis saber quão feliz, quão alto é e quão digno de ser festejado o Nascimento de Maria? Vede o para que nasceu. Nasceu para que d'Ela nascesse Deus. (...)
Perguntai aos enfermos para que nasce esta celestial Menina, dir-vos-ão que nasce para Senhora da Saúde; perguntai aos pobres, dirão que nasce para Senhora dos Remédios; perguntai aos desamparados, dirão que nasce para Senhora do Amparo; perguntai aos desconsolados, dirão que nasce para Senhora da Consolação; perguntai aos tristes, dirão que nasce para Senhora dos Prazeres; perguntai aos desesperados, dirão que nasce para Senhora da Esperança. Os cegos dirão que nasce para Senhora da Luz; os discordes, para Senhora da Paz; os desencaminhados, para Senhora da Guia; os cativos, para Senhora do Livramento; os cercados, para Senhora da Vitória. Dirão os pleiteantes que nasce para Senhora do Bom Despacho; os navegantes, para Senhora da Boa Viagem; os temerosos da sua fortuna, para Senhora do Bom Sucesso; os desconfiados da vida, para Senhora da Boa Morte; os pecadores todos, para Senhora da Graça; e todos os seus devotos, para Senhora da Glória. E se todas estas vozes se unirem em uma só voz, dirão que nasce para ser Maria e Mãe de Jesus"
domingo, 3 de agosto de 2008
Férias em "A cidade dos estrangeiros no Sul"
Trouxe comigo o Hermann Hesse e comprovei que aquilo que ele escreveu em 1925 se aplica ao meu sítio de férias em 2008. "Esta cidade é uma das mais engraçadas e lucrativas empresas do espírito moderno"1).
O sítio onde moro por uns dias tem por nome "Lugar da Coca Maravilhas", onde tudo procura ser "autêntico", pois até, para os naturais, nem falta uma escola de seu nome "Escola Coca Maravilhas", ao lado da Santa Casa da Misericórdia, maravilhosa também!... Neste sítio tudo é harmonioso, autêntico! As igrejas protestantes (vários ramos) e católicas ofereciam hoje os seus ofícios dominicais e até, à noite, de um terceiro andar saíam ruidosas invocações espíritas, através de portadas escancaradas, devido ao calor. Fiquei a meditar no milagre da multiplicação dos pães, interrogando-me sobre a multiplicação das igrejas e cultos! Não consegui, ainda, resposta que me satisfizesse... a não ser ser que a resposta seja o "facto de não haver respostas" para estes homens, para este mundo!
Esta cidade foi desenhada à beira-rio onde bóiam adormecidos na noite barcos de todas as espécies: desde os rabelos do Douro, às gôndolas venezianas, passando pelos modernos veleiros agora repousando na marina, até mesmo uma "nau" a motor construída à imitação daquelas recordações artesanais que era moda fazer, há uns anos atrás, com fósforos e que os estrangeiros compravam como recordação do país dos descobrimentos...
De manhã e à tarde, a cidade vaza-se nos areais imensos, onde o Sol é o deus venerado depois das libações salgadas a que todos, de vez em quando, se submetem num ritual que, às vezes, por artes diabólicas, é interrompido pelo grito, pela buzina, pela campainha com que os naturais (melhor dito, os que não são estrangeiros) invocam o Euro pela "bola de berlim", pelo vestido "lindo... lindo", pelos óculos escuros e demais quinquelharias que profanam o ritual de "tostação" ("fritação" em casos mais extremos) a que todos se sujeitam.
No passeio ribeirinho, à noite, a irmandade universal aspira o ar tépido que se levanta do rio, onde se misturam as mais variadas vozes e odores: povos do norte ladeiam com os povos do sul, povos dos países do sol nascente cruzam-se com os do sol poente, de várias raças, cores e odores. Os múltiplos "falajares" fariam deste passeio ribeirinho uma nova Babilónia, não fosse o dialecto dos cheiros que todos entendem... Os mac's, as pizzas convivem com os restaurantes de peixe assado onde é rainha a sardinha. A linguagem comum que todos entendem é a do Euro. Melhor... toda a cidade vive para o Euro...
Mas hoje tive azar...
A sardinha não "pingava", o vinho estava quente e não havia pão de fatia...
... abandonei, resmungando, os meus euros e corri a refugiar-me no meu sítio, no Lugar da Coca Maravilhas...
1) Conto A cidade dos estrangeiros no Sul in "As mais belas histórias" de Hermann Hesse, Editorial Notícias, 2004
segunda-feira, 28 de julho de 2008
Aposentação
- segundo os dicionários, é "acto de aposentar ou aposentar-se". Vem de "de pouso por apousentar". Por sua vez "pouso" deriva do latim tardio "pausare, «cessar, parar, deter-se»" -
... mas é realidade a que não posso fugir, apenas adiar e, mesmo neste caso, até à idade legal para tal, isto é, àquele momento em que à luz da própria lei estamos "xexés"!
A minha relutância à palavra "aposentação" parece-me vir da sua associação a outras palavras, ou grupos nominais, tais como "casas de repouso", que, eufemisticamente, se associam à decomposição humana que, não me iludo, começa muito antes da chegada de cada um à sua "eterna pousada".
Enfim, tomar a decisão de me aposentar ou aguardar que me forcem a tal pouco muda na minha teoria de vida, mas faz diferença! É que, no primeiro caso, ainda consigo provar a mim mesmo que ainda não atingi a demência... enquanto, no segundo, serão outros a fazê-lo por já me considerarem naquele estado que se caracteriza, segundo os dicionários, pela "perda total ou parcial das faculdades mentais".
A que vem isto a propósito, perguntar-me-ão.
É que hoje mesmo, dia 28 de Julho de 2008, dei instruções à secretaria da minha escola que iniciasse o meu processo de aposentação... e com isso quis provar a mim mesmo que ainda não estou "xexé"!
Quantos anos continuarei ainda com esta minha certeza?
Com uma coisa alguns concordarão comigo: é que quanto mais tarde... pior!
sábado, 12 de julho de 2008
"Os filhos da minha filha meus filhos são... Os filhos da minha nora ou serão ou não!" - Ditado popular
Ninguém diga que de esta água não beberá, pois, em conversa com a avó dos meus netos, verificámos que o ditado se encontra bem documentado na "nossa história". Também anotámos algumas excepções... de avós "excepcionais".
Mas que vêm estas reflexões ao caso? Vêm e muito!
Porque no próximo dia 26 de Julho, é dia dos avós... Dos meus três netos, portanto, e repito três e não um + dois, ou talvez!
Eu só tive uma avó... a mãe do meu pai que perdeu o seu ainda novo! A minha mãe não teve mãe a partir dos três anos e perdeu o pai alguns anos depois... Na segunda década do século vinte, a "pneumómica" fez os seus estragos... Já mo lembrou a minha mãe e agora lembro-o eu.
Portanto, só conheci a avó "Inécia". E dela só registo uma imagem: sentada à soleira da porta nos fins da tarde quando o sol já se escondia por detrás do Outeiro e o borburinho da aldeia ainda andava pelas hortas da Fosseirinha, da Forga da Boa e do Gamual. A minha avó era toda a povoação e eu com ela. Teria os meus três anos? Quatro... não mais. E vivia aquela serenidade naquele rosto onde o tempo cinzelou marcas de eternidade!
Vejam bem... o seu queixo não é o meu?
Quando o meu Francisco, o meu João e o meu Artur me virem daqui a alguns anos sentado na varanda da Maljoga, que vejam em mim a serenidade e a paz que eu ainda vejo na avó Inécia...
Que a minha nora e a minha filha, o meu genro e o meu filho respirem o mesmo ar que eu e a Vida será mais fácil para todos!
A avó dos meus netos está aqui ao lado a dizer que sim!
segunda-feira, 7 de julho de 2008
Também vi provas de Português do 12.º ano - 1.ª fase de 2008
"Honesto estudo"? Qual quê!
Prontifiquei-me a apoiar os meus alunos (uma dezena) que, sendo de Cursos Tecnológicos e portanto não sujeitos àqueles exames para conclusão dos respectivos cursos, os deviam fazer para se poderem candidatar ao ensino superior.
As sessões foram marcadas para o período não lectivo que antecede os exames. O tempo esteve fresco, pouco convidativo para a praia...
Vêm todos! - pensei.
Qual quê! Apareceu a Sofia que reviu a matéria ministrada durante o ano e fez os exames já aplicados nos anos anteriores (quatro ao todo...). Mas a Sofia era a que menos precisava, se atendermos à classificação interna final - 17 valores.
Saiu Camões... e parte do texto até tinha sido lido em aula. Tive curiosidade e fui ver os sumários. A essa aula vários alunos dos candidatos tinham faltado... Afinal só o professor e a Sofia é que nunca faltaram ao longo do ano. Teve 14 valores no exame nacional.
Parabéns, Sofia, pela tua nota no exame! Os outros que continuem a viver a sua "apagada e vil tristeza"... até que a "Vida" os corrija, se ela, de ignorante, lhes favorecer alguma entrada.
... Para o Ministério da Educação eu também fui a causa do insucesso. Nem era de esperar outra coisa de "senhores" que tão pouco prezam as Letras e o bom-senso quando as pronunciam!
sexta-feira, 18 de abril de 2008
Chico Nuno - um professor que lutou pela liberdade
Setúbal, Escola Secundária de Sebastião da Gama, 17 de Abril de 2008
Estamos hoje aqui guiados por um slogan que diz “Pelo Sonho Abrimos Caminhos de Futuro”, no âmbito das comemorações do centésimo vigésimo aniversário da escola secundária de Sebastião da Gama. E, na mira daquela mensagem, evocamos neste momento um professor que esteve entre nós e que também o podia ter dito - “Pelo Sonho Abrimos Caminhos de Futuro”. Estou a referir-me ao nosso saudoso colega Francisco Nuno mais conhecido pelo Xico Nuno.
Nas breves palavras que se seguem, vou, ainda que de forma simples, tentar, em breves traços, dar-vos uma caricatura deste colega que hoje homenageamos ligando-o, de forma definitiva, a esta Escola e a este ginásio onde o seu corpo pousou, pela última vez, em sofrido velório naquele mês de Novembro de 1989. (Morreu em Londres a 10/11/1989).
Vou organizar as minhas palavras em dois períodos bem distintos da sua vida: o antes e o depois do 25 de Abril de 1974. Foi um “homem de Abril” ainda antes de o Abril o ser e, por isso, não tardaram em amordaçar-lhe a voz. Depois de Abril, livre da mordaça, vimo-lo, de novo, renascer.
Antes do 25 de Abril – a mordaça
Estudou nos Seminários de Santarém e Olivais onde concluiu o Curso Teológico, tendo-se ordenado sacerdote.
Enquanto sacerdote, leccionou no Seminário e no Liceu de Santarém. Foi professor de personalidades como Mário Viegas, Hermínio Martinho e Rui Godinho e, no Liceu, logo no primeiro ano de leccionação, é reconhecida, pela voz insuspeita dos estudantes, a sua capacidade de mobilizar a juventude: durante a récita dos finalistas é apelidado de "homem que arrasta as multidões".
Depressa a sua observação dos mais desprotegidos da população escolar o leva a intervir socialmente, através do Secretariado Cristão dos Organismos Juvenis (SCOJ). Funda um lar para estudantes deslocados, com carências económicas, que funciona à semelhança das "repúblicas coimbrãs".
Também a mentalidade dos jovens o preocupava. O Jornal do Secretariado "SCOJ" constituía um verdadeiro fórum de ideias que se orientava numa perspectiva crítica aos poderes do antes 25 de Abril. Era divulgado pelos estudantes e por todos os conhecidos que passavam por Santarém.
Depressa os poderes se sentiram incomodados e a melhor maneira de calarem aquela voz foi a sua expulsão de Santarém. Estávamos nos anos já "quentes" de 69/70.
Passa então por Lisboa (Stella Maris), pela paróquia da Ajuda e, finalmente, vai para o Externato Frei Luís de Sousa de Almada. Enfim os responsáveis pelo patriarcado, de que dependia, vão-lhe mudando o “poiso” não permitindo que a sua voz incómoda ecoasse durante muito tempo no mesmo sítio. Ali pede a redução ao estado laical que lhe é concedida pelo Papa. Casa-se, depois de obtida aquela autorização papal, com a Dr.ª Natália Rodrigues que hoje e aqui nos honra com a sua presença, e regressa à aldeia. Estamos em Dezembro de 1975.
Depois do 25 de Abril – o renascimento
O editorial do primeiro número do Jornal “A Forja”, que vem a lume a 29 de Abril de 1976, (dois anos após a revolução) constitui uma fonte importante para conhecer a personalidade singular deste nosso colega na defesa de ideais progressistas e solidários. Caracterizando esse Abril de 2006, ele reconhece que “as maravilhosas descobertas do nosso povo, a partir do 25 de Abril, não têm tido o devido relevo” nas terras interiores do Ribatejo. E, com a publicação desse jornal, pretende constituir uma voz alternativa à imprensa regional caduca e ainda ligada a interesses anteriores à revolução. Pretendia ser o “eco dos anseios e realizações dos povos” daquela região que, segundo ele, não eram ouvidos pelos jornais então ali publicados. Segundo o seu estatuto editorial A Forja “terá de ser um acérrimo defensor dos trabalhadores e explorados do distrito. Será um jornal progressista. Não pactuará com as injustiças com os explorados. Não acolherá a mentira, nem o ódio simples e fácil”.
Quem privou, como eu, com o Chico sabe bem que aquele entusiasmo de editorialista era mesmo ele. Contudo, quando chega a Setúbal e aqui é colocado como professor na Escola que hoje o homenageia o seu ideal político vinha muito esmorecido. Tanto melhor para a escola, digo eu hoje, pois a sua natural liderança vai ser, nessa data, orientada para a Escola onde acabou por terminar a sua existência. Aqui, a sua capacidade de aglutinar professores e alunos depressa se evidencia. Em 1985 faz parte da Comissão Executiva da Semana de Cultura e Língua Portuguesa que "mexeu" com todas as escolas da cidade, em todos os graus de ensino. Logo após lançou-se numa das suas grandes paixões - o teatro. Tanto no Liceu de Santarém como aqui o “ir ao teatro” com os alunos não era para ele apenas “um passatempo cultural”, era (e ele sabia-o bem…) um instrumento com o qual procurava criar “pessoas livres”. Antes do vinte e cinco de Abril, ele sabia que a luta contra a tirania, opressão, traição, injustiça e todas as formas de perseguição passava muitas vezes pelos gestos, pelos cenários, pelas palavras dos dramaturgos, encenadores e actores que levavam o público a entender, de forma mais ou menos velada, a mensagem da liberdade numa terra nevoenta em que se vivia ainda. Após o vinte e cinco de Abril, ele tinha a consciência de que os nossos alunos só educariam a sua liberdade se reflectissem sobre exemplos de liberdade que eram representados nos palcos, agora livres, do nosso país agora renascido.
Precisamente no ano lectivo em que a morte o colheu 1988/1989 dinamizou o Festival Escolar de Teatro que envolveu várias escolas da cidade e as celebrações do Centenário do Ensino Industrial em Setúbal, de cuja Comissão Executiva fez parte.
Prof. Mata Fernandes