quarta-feira, 25 de julho de 2007

EU SOU AVÔ!

Dia 26 de Julho é dia dos avós!


A data para a sua comemoração fixou-se no dia 26 de Julho de cada ano por ser a festa no calendário litúrgico católico de Santa Ana e São Joaquim, pais de Nossa Senhora. Assim este casal de santos foi proclamado padroeiro dos avós.

É comovente a história deste casal. Ana e Joaquim viviam em Nazaré. Não tendo filhos, pediam continuamente a Deus uma criança. Com os rogos constantes, Deus concedeu-lhes uma menina chamada Maria que viria a ser escolhida para ser mãe de Cristo.

Costuma-se dizer que ser avó/avô é ser pai duas vezes.... Não concordo, pois na expressão está encapsulada a ideia daqueles pais que se demitem das suas responsabilidades e "escravizam" os seus pais (agora avós), entregando-lhos para que os criem.E há aqueles avós que se sentem felizes por isso... Quem não se lembra da atitude babada com que, na obra "Os Maias" de Eça de Queirós, Afonso da Maia acolhe o seu neto Carlos da Maia, abandonado pela mãe quando foge com o Napolitano e abandonado pelo pai que se suicida?Discordo, mais uma vez...

Ser avô é outra coisa... É ser pai do seu filho que lhe "deu" um neto para que o neto saiba que tem um pai e um avô... e vá aprendendo, com a vida, que são dois "amigos" que estão ali e que gostam dele, cada qual à sua maneira. E vá aprendendo que aqueles dois que ali estão não vão nas "fitas" que vai arranjando para tirar daí os seus proveitos...

Como sabemos Carlos da Maia, educado com esmero pelos métodos mais modernos "à inglesa" como estava na moda, acabou por ser tão "romântico" como tinha sido seu pai. Enfim, "tal pai tal filho", apesar do esforço do avô em fazê-lo diferente.

Gosto que o meu neto saia ao "melhor" do meu filho e , para isso, estou aqui procurando ser o "melhor" avô!

É isso que continuamente peço a Maria, filha de Ana e Joaquim, para que consigamos pai / avô / neto crescer à semelhança de seu filho, Cristo nosso Senhor!

Quando os quadros interactivos se transformam em "tralha grotesca"...

"Ao contrário do que afirmou o nosso primeiro-ministro, a relação professor-aluno não muda por causa de um brinquedo que desenha de forma perfeita os ângulos e os losangos. O quadro interactivo não faz falta nenhuma ou melhor dizendo faz tanta falta quanto antes dele fizeram os ainda recentes acetatos ou os já desaparecidos flanelógrafos: se o professor for bom e se a turma estiver motivada, esses objectos ajudam a tornar mais interessante aquilo que já o é. Caso contrário, ou seja, se o professor for mau e se os alunos não estiverem interessados, então todas essas apregoadas maravilhas se transformam numa tralha grotesca."

"A escola do futuro anunciada por Sócrates é um local onde as figuras de autoridade como o professor e os funcionários são cada vez mais menorizadas e substituídas, nas aulas, pelos quadros interactivos e, nos pátios, pelas Câmaras de videovigilância. "

In Público, 25 de Julho de 2007,
Pingue-pongue, o Governo antropofóbico, por Helena Matos

terça-feira, 17 de julho de 2007

A lição do Ricardo

O Ricardo fez parte, durante este ano lectivo, da turma do 12.ºI. Era uma turma do curso Tecnológico de Marketing que "apareceu" ligada à turma 12.º F - uma turma da área científico-humanística de Artes Visuais.

Poder-se-á não entender o porquê das aspas na palavra apareceu e, por isso, acrescento que, para conclusão do curso, o Ricardo (e os seus colegas da turma I) não precisava de se submeter a exame nacional, bastando-lhe a média positiva dos três anos de frequência, enquanto os alunos da turma F (científica-humanística), para além da frequência dos três anos, se tinham de sujeitar a exame final para conclusão do curso.

No início do ano, apuradas as expectativas individuais de cada aluno sobre o processo de ensino-aprendizagem para o ano que se iniciava, enquanto os colegas iam dizendo que precisavam uns de oito outros de nove valores, o Ricardo saiu-se com esta: "eu preciso de onze". Na verdade, a avaliação do Ricardo, sobretudo 11.º ano, não tinha sido "famosa".

É claro que para alunos que colocam a sua "bitola" tão em baixo, as "coisas" não podem correr bem. Assim, a maior parte destes alunos não conseguiu o oito ou nove almejado, nem no primeiro nem no segundo período.

No terceiro é que ia ser... E foi, pasme-se! Uns tantos conseguiram o oito almejado (e concluíram o ano), a outros o oito foi-lhes atribuído por consenso maioritário do Conselho de Turma (apesar do meu voto contra!) e o Ricardo anulou a matrícula. Disse-me, "preferia sujeitar-se a exame no fim do ano".

Levei o período a questionar-me sobre a razão do Ricardo para ter anulado "tão convictamente" a matrícula.

Sujeitou-se a exame!

Na 1.ª fase, não lhe correu bem... mas, na 2.ª fase, ficou aprovado com 12 (11,3 na prova escrita e 12 na prova oral).

No final, encontrei-o sorridente no corredor... Tinha conseguido! E tentei esclarecer a minha dúvida! "Professor, preferi dedicar-me à Matemática durante o terceiro período e também consegui passar!".

E eu a pensar que tinha sido... Não! Mais simples e eficaz: traçou objectivos e conseguiu atingi-los. "Professor, estudei mais Português nestes últimos quinze dias do que durante o ano todo!... mas consegui!"

Mas porque é que temos de considerar os nossos estudantes uns seres inferiores que temos continuamente de trazer ao colo, resolvendo-lhes os problemas que só a eles cabe resolver?

Parabéns, Ricardo, pelo "sucesso" que arrancaste de dentro de ti!

Obrigado, Ricardo, pela lição que "me" deste!

sábado, 14 de julho de 2007

Os meus queridos alunos do 12 F - turma de artes


Convidaram-me para jantar. Eu estava fulo com eles, pois os resultados no exame nacional não foram aquilo que eu estava à espera... À sobremesa, pensei eu, vou ter oportunidade de dizer umas palavras e, então, vou dizer-lhes umas verdades.

Em conversa com o Tapadinhas, dias antes, eu fiquei desconcertado quando ouvi "professor, eu só precisava de cinco, vou poder candidatar-me!". A Joana, não... estava desiludida com ela própria, e sentiu o peso de não ter conseguido a nota que estava ao seu alcance - independentemente da média! A Sara Oliveira e a Mafalda, apesar de achar que podiam ter ido mais longe, salvaram a "honra do Convento". A Rute Morais, a poetisa da turma, estava "abatida", pois as musas deram lugar ao destino inexorável que a conduziram "à humilhação"!

Enfim, hoje à sobremesa seria a hora para descarregar a minha "fúria"...

Comidos e bebidos, escrevi uma frase no livro de anos que a turma acabava de oferecer ao Pedro. Quando ditava para a minha mente as palavras que de seguida iria despejar, a Sara O. tira de um saco um livro e, após algumas palavras que nem ouvi (pois as minhas ocupavam todo o espaço da mente...), entregou-me um álbum fotográfico anotado e com dedicatória para o professor "agora que chegou a altura de deixar as suas "jóias" saírem da joalharia e seguirem os seus caminhos".

Rendi-me... Eu que sou tão exigente e racional derreti-me... A felicidade de um ano terminado invadia-lhes o rosto, estavam alegres e, afinal, foi sempre isso que eu tinha desejado para eles... e veio-me à mente aquela expressão tão humana de Sebastião da Gama: "O que eu quero é que vivam felizes"

É isso - que a vida não lhes seja "madrastra" e, se o for, que tenham aprendido a dar-lhe a volta - por cima!

terça-feira, 10 de julho de 2007

Alunos-professores

Nestes dias tenho participado na minha Escola numa acção de formação, acreditada pelo Centro de Formação de Professores Arrábida, sobre a Plataforma Moodle, tendo em vista a sua utilização na gestão das actividades de ensino-aprendizagem.

Participamos aproximadamente 30 professores das mais variadas disciplinas e com um nível de conhecimentos em TIC muito diferenciado.

Ao rever-me numa das minhas muitas aulas, agora com a pele de aluno, verifico que o insucesso dos alunos pode repetir-se da mesma forma em nós como alunos-professores. O sistema viciado repete-se. Eu explico:

A cada uma das indicações dadas pelo Professor-monitor as reacções dos alunos-professores não é simultânea, pois como já se disse o nível de conhecimentos em TIC é muito diferenciado entre eles. Assim, os professores mais "entendidos" avançam e progridem, procurando mesmo que o Professor-monitor esclareça novas dúvidas que já se lhes põem, enquanto os outros alunos-professores ficam "parados", pois não conseguiram sequer avançar do ponto em que se encontravam. Assim, os professores "expert", sem terem consciência disso, acabam por criar um ambiente desfavorável àqueles que precisam mais de apoio.

O Professor-monitor bem tenta de diversas formas mostrar a estes professores-alunos que devem seguir o ritmo dos mais "lentos" que ele próprio procura privilegiar, prestando-lhes uma ajuda pontual mas...

Há professores-alunos que, assim, se desmotivam e a sua atitude é exactamente a mesma que a dos nossos alunos na sala de aula: preferem calar-se ou queixar-se da sua "falta de jeito", deixando instalar-se neles uma desmotivação crescente.

Quanto ao Professor-monitor, tal como nós professores em sala de aula, acaba por sofrer uma pressão desgastante que seria evitável se cada um dos seus alunos-professores fosse mais disciplinado, tal como pedimos aos nossos alunos: executar apenas aquilo que lhe foi indicado, ajudar o colega do lado com espírito solidário e disciplinadamente, fazer silêncio e levantar o braço quando precise de ajuda do Professor-monitor e desligar o telemóvel, pois não se pode estar em mais que um lado ao mesmo tempo.

sábado, 7 de julho de 2007

Dia do Software Livre na Escola

Participei nesta acção promovida pelo Centro de Competência Arrábida, com a colaboração empenhada do CRIE (Equipa Multidisciplinar Computadores, Redes e Internet na Escola) e da DGIDC (Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular) do Ministério da Educação.

Estive presente em toda a sessão, mas bastar-me-ia assistir à primeira apresentação e à última para perceber dois modelos de trabalho "singulares" - cada um a seu modo.

Na primeira, Vicente Parejo apresentou o modelo que está implantado em toda a Estremadura Espanhola por decisão do Governo daquela Província. É tudo muito simples. Eu explico: o governo da região tomou uma decisão (todas as Escolas vão utilizar software livre) e ordenou os meios para implementá-la: computadores q.b. ligados em rede a servidores locais e regionais; engenheiros informáticos (não são professores, apenas técnicos)um por cada mil alunos e dois, a partir dos mil, responsáveis por manter o sistema a funcionar; professores (apenas professores...) que utilizam as ferramentas TIC nas suas aulas e para isso têm formação com carácter obrigatório; alunos que executam as tarefas que lhes são exigidas (até porque o sistema informático não lhes permite que andem por ali "a navegar"...); há prémios monetários para as melhores escolas e para os melhores professores; quem não estiver disposto a participar, é convidado a procurar outro trabalho. Enfim, tudo "simplex". Os próprios encarregados de educação têm o seu espaço no sistema informativo, podendo on line verificar se os seus educandos não ficaram no Centro Comercial em vez de ir às aulas, os trabalhos que o professor de Português marcou, a matéria sumariada... Tudo em Software Livre devidamente disponibilizado pelo governo daquela Província Espanhola.

Ao fim da tarde, ouvimos o que se faz em Portugal em algumas Escolas no que respeita à utilização do Software Livre. Também tudo muito claro: o prof. Paulo Chouriço explicou como é que na Escola Secundária de Palmela, anfitriã que acolheu o evento, conseguiu construir uma rede com os Pentium velhinhos; o Carlos Nunes apresentou um interessante projecto que está a dinamizar na Escola Secundária de Albufeira e da mesma forma o Alexandre Martins e o Artur Santos nas Escolas Secundária Soares dos Reis e no Agrupamento Padre Vítor Milícias, respectivamente.

Ainda no Painel do fim da tarde, ouvimos aquilo que todos sabemos sobre o software empresário utilizado nas nossas Escolas, pela boca do "insuspeito" Vítor Teodoro, professor no Instituto Superior Técnico. Afirmava ele que, se uma inspecção viesse às Escolas verificar as licenças de utilização de software, teria dúvidas de quem é que iria "preso": se os Conselhos Executivos, se os Directores Gerais ou se o Ministro da Educação... Numa intervenção anterior e apresentando os resultados de um estudo sobre o uso de software livre, ainda não completo, o prof. José Luís Ramos da Universidade de Évora dizia que o uso deste software é dinamizado apenas por grupos isolados de professores que, por vezes, têm de lutar contra tudo e todos (incluindo os próprios Conselhos Executivos) para poderem ir fazendo alguma coisa com uma dimensão muito limitada.

No fim da tarde, e fora do programa, o Secretário de Estado, Jorge Pedreira, assinou um protocolo com a Universidade de Évora para que esta instituição promova e divulgue uma plataforma a que se dá o nome de Alinex e que tem muito a ver com gnuLinEx desenvolvido na Estremadura Espanhola.

Esperar para ver... Mas não será que já esperamos há tempo de mais?

terça-feira, 3 de julho de 2007

Setúbal / Dia de Portugal 2007

Um discurso que coloca os "marcos" da história de Setúbal. Haja quem assuma a defesa da "propriedade"

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Discurso do Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal de Camões e das Comunidades Portuguesas, Dr. João Bénard da Costa
Setúbal, 10 de Junho de 2007

Senhor Presidente da República
Senhor Presidente da Assembleia da República
Senhor Primeiro - Ministro
Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
Senhor Presidente do Tribunal Constitucional
Senhora Presidente da Câmara Municipal de Setúbal
Senhor Bispo de Setúbal
Senhores Embaixadores
Senhores Ministros
Senhores Deputados
Minhas Senhoras e Meus Senhores


Trinta anos depois do início das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, sob o figurino de que actualmente se revestem, chega, finalmente, a hora e a vez de Setúbal ser palco delas. Se outras justiças não houvesse – e delas falarei mais adiante – justiça poética se cumpriria, pois que o maior poeta desta cidade – a sua figura permanentemente mais celebrada, pelo menos desde que António Feliciano de Castilho lhe promoveu, em 1865, as comemorações do centenário do nascimento – foi o primeiro ou dos primeiros a invocar em verso Camões: "Camões, grande Camões, quão semelhante / Acho teu fado ao meu, quando os cotejo! / Igual causa nos fez, perdendo o Tejo, / Arrostar c'o sacrílego gigante".

Bocage, pois que é dele que falo, não devia imaginar que, com esse célebre soneto em que de Camões disse: "Modelo meu tu és…", estava a inaugurar uma infindável série de poemas em louvor do Poeta de quem celebramos hoje o dia. Pois foi pela voz dele e da geração dele que se estabeleceu – cerca de duzentos anos depois da morte de Camões – a equívoca unanimidade que o proclamou e proclama o luso "Príncipe dos Poetas". Apesar dos que se precipitaram no século XVII para lhe roubar tudo: "as ideias, as palavras, as imagens / e também as metáforas, os temas, os motivos, / os símbolos, e a primazia / nas dores sofridas de uma língua nova" (estou a citar outro poeta nosso maior, Jorge de Sena, e o admirável poema "Camões dirige-se aos seus contemporâneos") a critica dominante no século XVIII ou esqueceu o poeta, ou verrinosamente o atacou, não reconhecendo essa língua nova. Foram os pré-românticos, como Bocage, ou, depois, os românticos, como Garrett, quem o recuperou, até na imagem mítica que o século XIX tanto alardeou.

Falei de "equívoca unanimidade". A expressão aplica-se por igual a Bocage, tantas vezes saudado como o nosso maior poeta depois de Camões. Mas se lhes demos – a um e a outro – tal assento etéreo, pouco mais lhes demos. Já um dia, num destes discursos, me perguntei e vos perguntei: onde estão as edições criticas de Camões? Para que parte da sua obra se fez fixação do texto? Que sabemos ao certo sobre a sua vida? Com quanta razão disse Sena – cito-o nova e gostamente – "que em matéria de Camões é um perigo dizer seja o que for"?

E em matéria de Bocage? Conhecem-se as anedotas, alguns poemas eróticos e é com lembrança delas e deles que encobrimos quase sempre com um sorriso cúmplice (ou malandreco ou pudibundo) as referências ao seu nome. Saberão alguns que, perto da morte, Bocage já se não comparava a Camões, mas a Aretino, o grande poeta renascentista italiano, cuja reputação libidinosa atravessou os séculos. Mas se ao menos Bocage tivesse sido estudado como Aretino o foi! Aquele que chamou aos prazeres seus sócios e seus tiranos, numa analogia deveras singular, não desapareceu "desfeito em vento", numa "cova escura", como profetizou, mas dissolveu-se na nossa ignorância, no contumaz desconhecimento ou desfiguração do nosso património e na insólita relação com a memória que aos portugueses mais parece faltar do que qualquer outro atributo, ou de que os portugueses menos curam do que de qualquer outro atributo.

Justiça poética, disse eu que se fazia ao comemorar o Dia de Camões na cidade de Bocage. E já nem falo no esquecidíssimo Vasco Mousinho de Quevedo, que Faria de Sousa também considerou, no século XVII, "o maior depois de Camões" e de quem se ignoram mesmo as datas de nascimento e morte. Lá o figuraram, no século XIX, aos pés de Camões, na estátua do Chiado, mas não conheço ninguém que tenha lido o seu Afonso Africano, à glória do rei que, sob a luz brilhante aqui de Túbal, partiu em 1458 à conquista de Alcácer Seguer. E estou a citar, mais uma vez, Bocage e o soneto que começa: "Apenas vi do dia a luz brilhante / Lá de Túbal no empório celebrado"

Mas outras justiças há, mais ou menos poéticas, de que importa falar nesta cidade de sol e de sal, que é também – convém usar e abusar de poetas neste dia – meu remorso, meu remorso de todos nós.

Se tem sido inúmeros os cantores das belezas naturais que a cercam (a Arrábida, Palmela, o Outão) em que Andersen, o dinamarquês dos contos e das maravilhas, dizia, da Quinta das Machadas dos O'Neill em que se hospedou em Portugal, ter encontrado o paraíso terreal, permanece, sobre tais arrobos, a seca síntese de Raul Proença ao escrever que esta "maravilha do décor, da moldura, fazem esquecer o pouco interesse que em si apresenta a cidade – que é um bairro antigo de Lisboa, entre laranjeiras, com o mesmo aspecto das casas, as mesmas ruas estreitas da Mouraria ou do Bairro Alto, e com uma ou outra praçazinha solitária e cheia de sol".

É certo que a cidade, apesar da vastidão dos seus horizontes, sempre se abrigou deles e é certo que é uma das cidades mais secretas de Portugal, no seu aparente escancaramento. É certo que traços mais primitivos foram abatidos – ainda mais do que em Lisboa – por tremores de terra que parcialmente a destruíram em 1531, 1755 e 1858. É certo que não foi poupada nem pela invasão espanhola de 1580, nem pelos Filipes que não lhe perdoaram o apoio dado ao Prior do Crato, nem pelas invasões francesas, nem pelas guerras civis dos inícios do século XIX. É certo que não podemos imaginar o seu esplendor, quando o Sado chegava onde hoje fica a Avenida Luísa Todi, e holandeses acorreram à cidade em busca do mais precioso dos seus produtos: esse sal, dito o de mais puros cristais da Europa, que serviu de moeda de troca para um acordo com a Holanda, visando a recuperação das colónias de África, América e do que restava do Oriente. Sabe-se que, apenas em dez anos, entre 1680 e 1690, saíram de Setúbal 7500 navios carregados de sal para os Países Baixos.

"Toda a terra é retalhada do mar, com que juntamente vem a ser mar e terra, e os homens, a que podemos chamar marinhos e terrestres, tanto vivem em um elemento como no outro. As ruas por uma parte se andam e por outra se navegam, e tanto aparecem sobre os telhados os mastros e as bandeiras, como entre os mastros e as bandeiras, as torres (…). Em muitas partes toma o navio porto à porta do seu dono, amarrando-se a ela e deste modo vem a casa a ser a âncora do navio e o navio a metade da casa, de que igualmente usam".

O Padre António Vieira, que tanto usou o sal como metáfora – e, apesar de estar na cidade dele, me guardo prudentemente de citar o Sermão de Santo António aos Peixes ou o que sucede quando o sal não salga e a terra não se deixa salgar – descreveu da maneira que citei Amsterdam, em alusão aos holandeses, ou Setúbal, que ele bem conhecia e onde os holandeses tinham reencontrado uma cidade que, nas mesmas condições, reproduzia o mesmo aspecto? Duvida-se? Pois percorram a cidade velha com atenção (a atenção que não é costume dedicar-lhe) e ainda são várias as casas que, não fora o recurso aos diferentes materiais e métodos de construção, se podem confundir com casas de Amsterdam.

Cidade secreta, disse eu. Secreta é-o no nascimento como cidade – dela não falam os nossos primeiros cronistas; secreta é a sua evolução entre o foral de D. Afonso II (1249), a lenda da Senhora da Água ou da Senhora Pequenina, a fundação da Casa do Corpo Santo (1340) e a construção das muralhas da vila, ao tempo de D. Afonso IV, para as quais o povo desta cidade se colectou com a primeira siza que houve em Portugal.

Mas só no século XV, Setúbal se tornou uma cidade que conta, com a casa Cabedo e o casamento de D. João II com D. Leonor de Lencastre, sua prima direita. Porque escolheu o Príncipe Perfeito Setúbal como cidade da sua predilecção? Como o seu pai o deixara "rei das estradas", para usar expressão do próprio, tantas as benesses que D. Afonso V dera às grandes casas nobres, para destruir esse poder que o ameaçava, nada melhor do que Setúbal que nenhuma grande família escolhera para residência.

E foi em Setúbal que aconteceu a "noite de muito grande terror e espanto", como Garcia de Resende se refere à noite de 23 de Agosto de 1484, em que D. João II assassinou por suas próprias mãos o primo e cunhado, o Duque de Viseu, e depois mandou chamar o irmão mais novo daquele, o futuro Rei D. Manuel, para que lhe beijasse a mão real junto ao cadáver do outro irmão da própria mulher.

Mas foi esse mesmo D. Manuel quem veio a dar a Setúbal, por foral de 1514, o título de Notável Vila, enquanto nela mandou edificar o seu mais célebre monumento: O Convento de Jesus.

O sangue também se lava com o sal. Nos séculos seguintes os iates do sal, como assim mesmo eram chamados, transportavam das marinhas para o centro da cidade a sua principal riqueza. Se o século XVIII é o século de Bocage, e de Luísa Todi, esses e outros vultos não nasceram na cidade por acaso, mas reflectem tanto uma riqueza comercial que atraiu à cidade banqueiros de Hamburgo (os Torlades) como nela fomentou a criação de academias, como essa chamada adequadamente Problemática, numa cidade que o foi e o continua a ser.

Mas Setúbal manteve-se cidade secreta, mesmo em épocas mais recentes. Talvez seja das cidades de Portugal a que tem mais para contar e da qual menos se conta.

Por isso, hoje, tão demoradamente me centrei nela. Este, como ser o dia do Poeta, é o dia das memórias e as memórias valem tanto mais quanto mais esquecidas se tornam. Nesta cidade, que viveu de conservantes, de conservas e de conservações, só a memória se não conservou. Salvaguardar o futuro? Mas o futuro só se salvaguarda quando se restituiu ao tempo o que cada tempo a seu tempo trouxe, verdade elementar mas verdade de que tão pouco curámos e curamos.

Senhor Presidente da República: muito obrigado por me ter dado a palavra. Minhas Senhoras e Meus Senhores: muito obrigado por me terem escutado.

Escolas / Ensino

"Acreditamos numa escola onde a autoridade do professor é protegida, o mérito do aluno é reconhecido, a exigência é uma prática e a disciplina é um quotidiano"
Paulo Portas, in Público 2/7/2007